EU E AS MINHAS 16 COPAS DO MUNDO

25/05/2014 00:15

Eu pensava em generais sem fardas.

A gente vai envelhecendo e cada vez mais sentimos vontade de contar pra todo mundo o que já fizemos de bom na vida. Ainda enaltecendo a experiência e a oportunidade de ter vivido mais do que qualquer outro ser vivo, vivo, nas imediações. 

 

Como se isso fosse relevante para alguém, além da própria pessoa que conta, ou quando muito, relevância aos mais chegados dela. Nos tornamos uns chatos com o tempo e eu sou um exemplo vivo disso.

 

O triste, pra não dizer engraçado é que nessas histórias é muito comum nos colocarmos como intrépidos heróis. Mesmo quando nelas o relato diz que nos demos mal, a surra levada é escancarada com a maior nota de resistência, meio que coisa de macho em pé: “Apanhei, mas não chorei e minha mãe ficou mais puta da vida ainda”.

 

Deve ser uma espécie de dispositivo de compensação da auto-estima que acionamos ao percebermos quando nos mandam para o escanteio.

 

Tão ruim são, nesta fase do mais experiente, as comparações que fazemos entre os “antes” e os “depois”. De como eram melhores as coisas nos “bons e velhos tempos” do que como são hoje.

 

Muitas vezes, sem nada baseado em dados científicos, afirmamos que alguém é o melhor de todos os tempos em alguma atividade, sem considerar as diferenças naturais que existem em cada tempo.

 

Seria Pelé, Maradona ou Neymar o melhor jogador de toda a história do futebol? 

E entre Fangio, Senna ou Schumacher, qual deles seria o top dos tops na Fórmula 1? 

Einstein ou Newton, quem é o físico dos físicos? 

E João Paulo II e Francisco, o argentino, qual o Papa mais simpático e influente? 

 

Por esses dias eu estava lembrando de como eu gostava dessa coisa de Copa do Mundo quando era mais jovem e o quanto isso hoje não me faz a menor diferença. 

 

Salvo pelo fato de que a próxima Copa do Mundo será no Brasil, coisa que me incomodou desde o início, não pelo evento em si, mas pelo que poderia se tornar, como acabou se tornando, mais uma fonte que proporciona outras formas de desvios do dinheiro público e, principalmente, pela mudança de foco pelos governos nas prioridades, e ainda, por não acreditar na capacidade de organização das instituições brasileiras, pois somos culturalmente moldados a dar um “jeitinho nas coisas” e somos pouco preocupados com o cumprimento de prazos, portanto, essa Copa e o que mais vier da FIFA em relação a ela, não me interessam em nada. Gosto somente de assistir uma bela partida de futebol.

 

“Nos velhos tempos”, “nos bons tempos”, “naqueles tempos” tempos em que as lembranças insistem em parecerem douradas, a Copa do Mundo era uma festa sem comparação. 

 

Nos dias de jogos do Brasil, nem se fala, então. Eu ficava alucinado, quase que não dormia e da mesma forma, pelo menos eu os via assim, os adultos ficavam absolutamente estarrecidos. O mundo parava para ver a Copa do Mundo.

 

A molecada com os álbuns nas mãos, trocando figurinhas o tempo todo. As tabelas dos jogos que eram impressas num papel de baixa qualidade e em preto e branco, mostravam as chaves com os jogos das oitavas de final, das quartas, das semi-finais e da grande final. No sábado antes do encerramento, era o dia do jogo que classificava o terceiro lugar, ninguém queria saber desse terceiro lugar. 

 

O torneio na época tinha somente 16 países participantes. A coisa era bem menor comparada com o que é hoje. O lado comercial não era tão preponderante, acho que quase não existia. Nem se falava Copa do Mundo da Fifa era só Copa do Mundo e pronto.

 

Quando o Brasil chegava numa final, o domingo geralmente era de sol e o inhoque com brajola ficavam mais gostosos. Vinho e cerveja rolavam soltos no quintal.

 

Sem dúvida a Copa do Mundo era o ápice do ápice. Na minha cabeça era o momento máximo da vida humana no planeta.  Um provável reflexo das vagas lembranças que tinha da Copa de 58 quando o Brasil foi campeão pela primeira vez. 

Eu, então com quatro anos, ainda me lembro de gente pulando pela casa e pelas ruas, gritando, cantando, chorando e dizendo que o Brasil era o maior do mundo. Fui crescendo convicto da ideia de que nada mais importante na vida poderia ser, se não duas coisas: o Brasil e a Copa do Mundo. Quando as duas coisas juntas aconteciam era para chorar de tanto orgulho.

 

Claro que essa sensação foi se formando ao longo da infância e tornando-se mais significativa a partir dos meus oito anos de idade, isto bem na Copa de 62 a que aconteceu no Chile. Aquela em que cachorrinho preto invadiu o campo.

Tinha o Vavá, o Garrincha, Nilton Santos, Djalma Santos, Gilmar no gol, entre outros. O Pelé jogou uma partida e meia nessa Copa, pois arrebentaram com ele logo no segundo jogo e foi substituído por Amarildo, que pra mim não passava de um intrometido bastardo que ocupava o lugar do maior jogador do mundo. Um palmeirense que admirava um Rei. (Ele ainda não era empresário e não falava besteira institucionalmente).

 

Num dos jogos desta Copa, não me lembro exatamente qual, minha mãe e eu estávamos passando pela Praça da Sé, no centro da cidade, quando vimos um enorme painel verde montado numa altura surpreendente, representava um campo de futebol. 

 

A Rádio Bandeirantes de São Paulo tinha instalado no local um gigantesco trambolho bem do lado direito da praça, para que o público pudesse acompanhar os jogos ouvindo as narrações entusiasmadas dos locutores. 

 

O painel tinha um monte de lâmpadas que piscavam e se movimentavam de um lado para outro, seguindo a luz que seria a bola, seja lá por onde ela fosse. 

 

Dessa forma a movimentação do pisca-pisca representava o posicionamento dinâmico dos jogadores em campo, enquanto a voz do locutor suava forte por toda a praça, narrando em detalhes, lance a lance a partida. 

 

Consigo me lembrar até hoje das expressões das pessoas que ali se amontoavam em milhares, não lembro exatamente dos rostos, evidente. Elas se mostravam atônitas diante de tanta tecnologia. Os olhos brilhavam, os lábios se abriam e se fechavam sem parar em estupefatos Oh’s! e Ah’s! 

 

Parecia tão real o que assistíamos e ouvíamos, quanto nos parece hoje o HD e o 3D das TVs LCD da LG.

 

Dos oito até os meus vinte anos, deleitei em mais três Copas do Mundo até 1974, quando a laranja mecânica holandesa deu um nó nas cabeças do Zagallo e da gente do Brasil, ao vivo e em cores. Foi o último deleite de Copa do Mundo que me lembro.

Todos se renderam ao ultraje de Joan Cruijff, menos a Alemanha Ocidental que na partida final meteu 2 x 1 neles.

 

Diferente de 1970 quando assistimos a conquista do Tri pela TV em preto e branco, a primeira Copa televisionada mostrou uma final inesquecível de 4 x 2 em cima da Itália. O último gol desta Copa, um passe soberbo do Rei para Carlos Alberto que encheu a rede com força de campeão. O mundo babou.

 

Foi entre os anos de chumbo, ano em que comemoramos o título com generais sisudos que nos observavam o tempo todo, que nos incutiam amarmos o país ou deixa-lo em paz. Eu com 16 anos não sabia o que pensar disso. Considerei ir morar no México. Levei uns cascudos da minha mãe e fiquei bem quieto por aqui mesmo.

 

Mais diferente ainda foi a Copa de 1966, a que antecedeu essas duas na Inglaterra. Um tal de  Eusébio, um troncudo português de origem africana que jogava melhor que Pelé, nos pôs pra fora logo nas oitava de final. Foi um banho de água fria na seleção Bi campeã que tentava o Tri campeonato, na fé dos brasileiros e até  na do general que emprestou seu nome a uma rodovia quando depois de morto.

 

Nas Copas de 1978, aquela em que o Peru supostamente entregou os pontos para os generais argentinos, ficou marcada pelo desígnio de uma medalha moral ao técnico Claudio Coutinho. 

Das de 82 e 86, seleções dirigidas por Telê Santana, bom de clube, mas que em Copas, nadava ou jogava tênis, nada a declarar. 

De Lazaroni, o lazarento da Itália em 90, pulamos. Do Tetra de 94 dos Estados Unidos de Bebeto, Branco e Romário, ficou a imagem da Copa sem graça, mas com título. Marcou a decepção do fenômeno chorão em 98 na Franca e pela França. 

Do Penta Campeão Felipão em 2002 que deu direito a cambalhota na rampa federal ao Vampeta sob aplausos do FHC e depois dos dois tentas, somente tentativas de 2006 e de 2010 que nada deu.

 

Com isso lá se foram anos que me levaram Copas que julgava fossem minhas. Incluindo a de 1954, ano em que nasci em meio à Penha de França e Paris que sou, somam 16 Copas do Mundo.

  • 1954 - Suíça
  • 1958 - Suécia 
  • 1962 - Chile 
  • 1966 - Inglaterra
  • 1970 - México 
  • 1974 - Alemanha Ocidental 
  • 1978 - Argentina 
  • 1982 - Espanha
  • 1986 - México (Colômbia desistiu de sediar a Copa) 
  • 1990 - Itália
  • 1994 - Estados Unidos
  • 1998 - França
  • 2002 - Coreia e Japão 
  • 2006 - Alemanha 
  • 2010 - África do Sul
  • 2014 - Brasil  

Agora, pense comigo: se der Uruguai na cabeça em pleno Maracanã como foi em 1950, você não acha que o Lula vai parar em Cuba, Venezuela, Bolívia ou em alguma fazenda nas planícies socialistas uruguaias, levando na mochila, além da dona Galega, a dona Dilma, a que hoje co-manda o Brasil? 

 

O Temer fica, claro.

 

Mãe, me leva pra Sé, acho que seremos Hexa este ano e tudo vai voltar ao normal no Brasil. Os generais de hoje não usam fardas, mãe.